segunda-feira, 8 de julho de 2019

As cartas de Vincent Van Gogh antes de sua partida

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Fonte: Google

https://groups.google.com/forum/#!topic/armazem18/POpP0oVGO-Q


“Eles são vastos trechos de trigo sob um céu problemático, e eu não tive que sair muito do meu caminho para tentar expressar tristeza e extrema solidão. Tenho quase certeza de que essas telas vão lhe dizer o que não posso dizer em palavras, ou seja, quão saudável e revigorante eu acho o campo. ”


Vincent Willem van Gogh (holandês[ˈvɪnsɛnt ˈʋɪləm vɑn ˈɣɔx] (Ltspkr.png ouça); Zundert30 de marçode 1853 – Auvers-sur-Oise29 de julho de 1890) foi um pintor holandês considerado uma das figuras mais famosas e influentes da história da arte ocidental. Ele criou mais de dois mil trabalhos em pouco mais de uma década, incluindo por volta de 860 pinturas a óleo, a maioria dos quais durante seus dois últimos anos de vida. Suas obras abrangem paisagensnaturezas-mortasretratos e autorretratos caracterizados por cores dramáticas e vibrantes, além de pinceladas impulsivas e expressivas que contribuíram para as fundações da arte moderna.

A fonte primária mais compreensiva sobre a vida e obra de Vincent van Gogh é a correspondência trocada entre ele e seu irmão mais novo Theo van Gogh. Estão registradas nas centenas de cartas trocadas entre os dois de 1872 a 1890 sua duradoura amizade e a maior parte do que se conhece sobre os pensamentos e teorias de arte de Van Gogh.[3] Theo trabalhava como comerciante de arte e ofereceu suporte financeiro e emocional ao irmão, dando-lhe também acesso a figuras influentes do mundo artístico.[4]

Theo guardou todas as correspondências que Van Gogh lhe enviou.[5] Este, por outro lado, manteve apenas algumas das cartas que recebeu. Johanna van Gogh-Bonger, a viúva de Theo, providenciou a publicação de algumas dessas cartas após as mortes dos dois irmãos. Outras apareceram em 1906 e 1913, com a maioria sendo publicada em 1914.[6] As cartas de Van Gogh eram eloquentes e expressivas, tendo sido descritas também como carregadas de uma "intimidade de diário" e semelhantes a uma autobiografia.[4] 

Trechos em destaque, para serem lidos com sua devida atenção:



"Falamos bastante sobre qual é o nosso dever, e como poderíamos chegar a algo de bom, e chegamos à conclusão que nosso objetivo em primeiro lugar deve ser o de achar um lugar determinado, e uma profissão à qual possamos nos dedicar integralmente.

E acredito que estávamos igualmente de acordo de que o necessário é sobretudo ter em vista o objetivo final, e que uma vitória, após toda uma vida de trabalho e de esforços, vale mais que uma vitória obtida mais cedo.

Aquele que vive sinceramente e encontra aflições verdadeiras e desilusões, e que jamais se deixa abater por elas, vale mais que os que sempre vão de vento em popa, e que conheceriam uma prosperidade apenas relativa.

Pois, em quem constatamos da maneira mais visível um valor superior, senão naqueles a quem se aplicam as palavras: “Lavradores, vossa vida é triste, lavradores, vós sofreis na vida, lavradores, vós sois bem-aventurados”, senão naqueles que carregam os estigmas de “toda uma vida de luta e de trabalho suportada sem jamais se curvar”?

É bom se esforçar em assemelhar-se a eles.

Avançamos portanto em nossa estrada indefessi favente Deo. 

No que me diz respeito, devo tornar-me um bom pregador que tenha algo de bom a dizer e que possa ser útil no mundo, e talvez fosse melhor eu conhecer um tempo relativamente longo de preparação, e estar solidamente confirmado numa firme convicção, antes de ser chamado a falar aos outros...

A partir do momento em que nos esforcemos em viver sinceramente, tudo irá bem, mesmo que tenhamos inevitavelmente que passar por aflições sinceras e verdadeiras desilusões; cometeremos provavelmente também pesados erros e cumpriremos más ações, mas é verdade que é preferível ter o espírito ardente, por mais que tenhamos que cometer mais erros, do que ser mesquinho e demasiado prudente.

É bom amar tanto quanto possamos, pois nisso consiste a verdadeira força, e aquele que ama muito realiza grandes coisas e é capaz, e o que se faz por amor está bem feito.

Quando ficamos admirados com um ou outro livro, por exemplo, tomando ao acaso: A andorinha, A calhandra, O rouxinol, As aspirações do outono, Daqui eu vejo uma senhora, Eu amava esta pequena cidade singular, de Michelet, é porque estes livros foram escritos de coração, na simplicidade e na pobreza de espírito.

Se só pudéssemos dizer umas poucas palavras, mas que tivessem um sentido, seria melhor que pronunciar muitas que não fossem mais que sons vazios, e que poderiam ser pronunciadas com tanto mais facilidade, quanto menos utilidade tivessem.

Se continuarmos a amar sinceramente o que na verdade é digno de amor, e não desperdiçarmos nosso amor em coisas insignificantes, nulas e insípidas, obteremos pouco a pouco mais luz e nos tornaremos mais fortes. 

Quanto antes procurarmos nos qualificar num certo ramo de atividade e numa certa profissão, e adotarmos uma maneira de pensar e de agir relativamente independente, e quanto mais nos ativermos a regras fixas, mais firme se tornará o caráter, sem que para isto tenhamos de nos tornar limitados.

E é sensato fazer estas coisas, porque a vida é curta e o tempo passa depressa; se nos aperfeiçoamos numa única coisa e a compreendemos bem, alcançamos além disto a compreensão e o conhecimento de muitas outras coisas. 

Às vezes é bom ir ao fundo e frequentar os homens, e às vezes somos até obrigados e chamados a isto, mas aquele que prefere permanecer só e tranquilo em sua obra, e não quer ter mais que uns poucos amigos, é quem circula com maior segurança entre os homens e no mundo.

É preciso não se fiar jamais no fato de viver sem dificuldades ou sem preocupações ou obstáculos de qualquer natureza, mas não se deve procurar ter uma vida muito fácil.

E mesmo nos ambientes cultos e nas melhores sociedades e circunstâncias mais favoráveis, é preciso conservar algo do caráter original de um Robinson Crusoé ou de um homem da natureza, jamais deixar extinguir-se a chama interior, e sim cultivá-la. 

E aquele que continua a guardar a pobreza e que a preza, possui um grande tesouro e ouvirá sempre com clareza a voz de sua consciência; aquele que escuta e segue esta voz interior, que é o melhor dom de Deus, acabará por encontrar nela um amigo e jamais estará só... 

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Que seja este o nosso destino, meu rapaz, que teu caminho seja próspero, e que Deus esteja contigo em todas as coisas e te faça triunfar, é o que te desejo com um cordial aperto de mão em tua partida. Teu irmão que te ama, VINCENT (121). 

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Wasmes, junho de 1879 Não conheço melhor definição da palavra arte que esta: “A arte é o homem acrescentado à natureza”; à natureza, à realidade, à verdade, mas com um significado, com uma concepção, com um caráter, que o artista ressalta, e aos quais dá expressão, “resgata”, distingue, liberta, ilumina. Um quadro de Mauve ou de Maris ou de Israels diz mais e fala mais claro que a própria natureza (130). 1

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Por que lhe digo tudo isto? Não é para me queixar, não é para me desculpar naquilo em que eu possa ter mais ou menos errado, mas simplesmente para lhe dizer isto:

Quando de sua última visita no verão passado, quando nós dois passávamos perto da caverna abandonada que chamam de “A Feiticeira”, você me lembrou que houve uma época em que também passeávamos os dois perto do velho canal e do moinho de Rijswick, “e então”, você me dizia, “nós estávamos de acordo sobre muitas coisas, mas”, você acrescentou, “desde então você mudou muito, você já não é mais o mesmo”.

Pois bem, isto não é bem assim; o que mudou, é que minha vida era então menos difícil, e meu futuro aparentemente menos sombrio; mas quanto ao meu íntimo, quanto à minha maneira de ver e de pensar, nada disto mudou, e se de fato houvesse alguma mudança, é que agora eu penso e acredito e amo mais serenamente aquilo que na época eu também já pensava, acreditava e amava.

Seria portanto um mal-entendido se você persistisse em acreditar que, por exemplo, agora eu seria menos caloroso por Rembrandt ou Millet ou Delacroix ou quem ou o que quer que fosse, pois acontece justo o contrário, apenas, veja você, há várias coisas em que acreditar e amar, e há algo de Rembrandt em Shakespeare, e de Corrège em Michelet, e de Delacroix em Victor Hugo e ainda há algo de Rembrandt no Evangelho e algo do Evangelho em Rembrandt, como queira, isto dá mais ou menos na mesma, desde que se entenda a coisa como bom entendedor, sem querer desviá-la para o mau sentido e se levarmos em conta os termos da comparação, que não tem a pretensão de diminuir os méritos das personalidades originais.

E em Bunyan há algo de Maris ou de Millet e em Beecher Stowe há algo de Ary Scheffer. Agora, se você pode perdoar um homem que se aprofunda nos quadros, admita também que o amor aos livros é tão sagrado quanto o amor a Rembrandt, e inclusive acredito que os dois se completam.

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Mas no entanto – você dirá – você é um ser execrável, já que tem ideias impossíveis sobre a religião, e escrúpulos de consciência pueris.

Se os tenho impossíveis ou pueris, possa eu me livrar disto, é tudo o que peço.

Mas veja mais ou menos o ponto em que me encontro.

Você encontrará em O filósofo sob os tetos, de Souvester, como um homem do povo, um simples operário muito miserável que seja, se imaginava a pátria.

“Você talvez jamais pensou no que é a pátria”, retomou ele pousando uma mão em meu ombro, “é tudo o que te envolve, tudo o que te criou e te alimentou, tudo que amaste, este campo que vês, estas casas, estas árvores, estas jovens que passam ali rindo, são a pátria.

As leis que te protegem, o pão pago por teu trabalho, as palavras que tu trocas, a alegria e a tristeza provenientes das coisas ou dos homens entre os quais vives, são a pátria.

O quartinho onde outrora viste tua mãe, as lembranças que ela te deixou, a terra em que ela repousa são a pátria.

Tu a vês, tu a respiras em todos os lugares. Imagines os direitos e os deveres, as afeições e as necessidades, as lembranças e o reconhecimento, reúne tudo isso numa palavra e esta palavra será a pátria”. 

Ora, da mesma forma tudo o que é verdadeiramente bom e belo, de beleza interior moral, espiritual e sublime nos homens e em suas obras, acredito que vem de Deus, e tudo o que há de ruim e de mau nas obras dos homens e nos homens, não é de Deus, e Deus também não o acha bom. 

Mas involuntariamente sou levado a crer que a melhor maneira de conhecer Deus é amar muito. 

Ame tal amigo, tal pessoa, tal coisa, o que quiser, e você estará no bom caminho para depois saber mais, eis o que eu digo a mim mesmo. Mas é preciso amar com uma grande e séria simpatia íntima, com vontade, com inteligência, e é preciso sempre procurar saber mais, melhor e mais. Isto conduz a Deus, isto conduz à fé inabalável.

Para citar um exemplo, alguém que ame Rembrandt, mas ame-o seriamente saberá que há um Deus, e Nele terá fé.

Alguém que se aprofunde na história da Revolução Francesa – não será incrédulo, verá que também nas grandes coisas há uma potência soberana que se manifesta. Alguém que tenha assistido, mesmo que por pouco tempo, ao curso gratuito da grande universidade da miséria e que tenha prestado atenção às coisas que seus próprios olhos veem e que seus ouvidos percebem, e que tenha refletido sobre isto, também acabará por crer e talvez aprenda mais do que imagina.

Procure entender a fundo o que dizem os grandes artistas, os verdadeiros artistas, em suas obras-primas, e encontrará Deus nelas. 

Um o terá dito ou escrito num livro, outro, num quadro

Depois, às vezes pode-se até ficar um pouco abstraído, um pouco sonhador. Há quem fique abstraído demais, sonhador demais; talvez seja o que ocorre comigo, mas é minha culpa. Afinal, quem sabe, não havia motivo para isto. Estava abstraído, preocupado, inquieto por uma ou outra razão, mas a gente se refaz!

O sonhador às vezes cai num poço, mas dizem que logo ele se reergue.

E o homem abstraído, em compensação, por vezes também tem sua presença de espírito. Às vezes é um personagem que tem sua razão de ser por um ou outro motivo que não distinguimos à primeira vista, ou que, na maioria das vezes, esquecemos involuntariamente.

Fulano, que andou agitado como se estivesse num mar tempestuoso, chega enfim ao seu destino; um outro que parecia não valer nada e ser incapaz de exercer qualquer função acaba por encontrar uma e, ativo e capaz de agir, mostra-se totalmente outro do que parecia à primeira vista.

Escrevo-lhe um pouco ao acaso o que me vem à pena, ficaria muito contente se de alguma maneira você pudesse ver em mim mais que um vagabundo. Acaso haverá vagabundos e vagabundos que sejam diferentes? 

Há quem seja vagabundo por preguiça e fraqueza de caráter, pela indignidade de sua própria natureza: você pode, se achar justo, me tomar por um destes.

Além deste, há um outro vagabundo, o vagabundo que é bom apesar de si, que intimamente é atormentado por um grande desejo de ação, que nada faz porque está impossibilitado de fazê-lo, porque está como que preso por alguma coisa, porque não tem o que lhe é necessário para ser produtivo, porque a fatalidade das circunstâncias o reduz a este ponto, um vagabundo assim nem sempre sabe por si próprio o que poderia fazer, mas, por instinto, sente:

 “No entanto, eu sirvo para algo, sinto em mim uma razão de ser, sei que poderia ser um homem completamente diferente. 

No que é que eu poderia ser útil, para o que poderia eu servir; existe algo dentro de mim, o que será então?”. 

Este é um vagabundo completamente diferente; você pode, se achar justo, tomar-me por um destes. 

Um pássaro na gaiola durante a primavera sabe muito bem que existe algo em que ele pode ser bom, sente muito bem que há algo a fazer, mas não pode fazê-lo. O que será? Ele não se lembra muito bem. 
Tem então vagas lembranças e diz para si mesmo: “Os outros fazem seus ninhos, têm seus filhotes e criam a ninhada”, e então bate com a cabeça nas grades da gaiola. 

E a gaiola continua ali, e o pássaro fica louco de dor. 

“Vejam que vagabundo”, diz um outro pássaro que passa, “esse aí é um tipo de aposentado”. No entanto, o prisioneiro vive, e não morre, nada exteriormente revela o que se passa em seu íntimo, ele está bem, está mais ou menos feliz sob os raios de sol. 

Mas vem a época da migração. Acesso de melancolia – “mas” dizem as crianças que o criam na gaiola, “afinal ele tem tudo o que precisa”. E ele olha lá fora o céu cheio, carregado de tempestade, e sente em si a revolta contra a fatalidade.

 “Estou preso, estou preso e não me falta nada, imbecis. Tenho tudo o que preciso. Ah! por bondade, liberdade! ser um pássaro como outros.” Aquele homem vagabundo assemelha-se a este pássaro vagabundo... 

E os homens ficam frequentemente impossibilitados de fazer algo, prisioneiros de não sei que prisão horrível, horrível, muito horrível.

Há também, eu sei, a libertação, a libertação tardia.

Uma reputação arruinada com ou sem razão, a penúria, a fatalidade das circunstâncias, o infortúnio, fazem prisioneiros.

Nem sempre sabemos dizer o que é que nos encerra, o que é que nos cerca, o que é que parece nos enterrar, mas no entanto sentimos não sei que barras, que grades, que muros. Será tudo isto imaginação, fantasia?

Não creio; e então nos perguntamos: meu Deus, será por muito tempo, será para sempre, será para a eternidade? Você sabe o que faz desaparecer a prisão. E toda afeição profunda, séria.

Ser amigos, ser irmãos, amar, isto abre a porta da prisão por poder soberano, como um encanto muito poderoso. Mas aquele que não tem isto permanece na morte. Mas onde renasce a simpatia, renasce a vida. Além disso, às vezes a prisão se chama preconceito, mal-entendido, ignorância, falta disto ou daquilo, desconfiança, falsa vergonha. Mas para falar de outra coisa, se eu caí, por outro lado você subiu.

E se eu perdi simpatias, você por seu lado as ganhou. Eis o que me deixa contente; falo sério e isto sempre me alegrará. 

Se você fosse pouco sério e pouco profundo, eu poderia temer que isso não durasse muito, mas como acredito que você seja muito sério e muito profundo, sou levado a crer que isto durará. 

Só que se lhe fosse possível ver em mim algo mais que um vagabundo da pior espécie eu ficaria muito contente. 

Então se eu puder alguma vez fazer algo por você, ser-lhe útil em alguma coisa, saiba que estou à sua disposição.

 Se aceitei o que você me deu, você também poderia, caso de alguma forma eu puder ajudá-lo, pedir-me: eu ficaria contente e consideraria isso uma prova de confiança. 

Nós estamos muito distantes um do outro e podemos ter pontos de vista diferentes; contudo, em dado momento, algum dia, poderíamos ajudar-nos um ao outro.

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Por hoje eu lhe aperto a mão, agradecendo novamente a bondade que você teve comigo.

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Agora, se mais cedo ou mais tarde você quiser me escrever, meu endereço é chez Ch. Decrucq, rue du Pavillon 8, em Cuesmes, perto de Mons. E saiba que escrevendo-me você me fará bem.

Do seu, VINCENT (133).




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